O tempo que nos resta

por JEAN-PIERRE DUPUY

29 AGO Rio de Janeiro
30 AGO Belo Horizonte
31 AGO São Paulo

Em um capítulo-chave do segundo volume de A democracia na América (1840), Alexis de Tocqueville levantava uma questão, cuja pertinência nunca foi maior: “Por que os americanos mostram-se tão inquietos no meio do seu bem-estar?” – perguntava-se. Esta mesma pergunta deveria ser feita hoje em relação a muitos outros povos, além dos povos da América do Norte, sobretudo se lembrarmos sua nota inicial: “É estranho ver com que espécie de ardor febril os americanos perseguem seu bem-estar e como se mostram incessantemente atormentados por um vago temor de não terem escolhido o caminho mais curto para alcançá-lo”. Esse ardor febril, essa inquietação, esse tormento da alma – são sentimentos de todos os povos que optaram por uma forma de desenvolvimento fundamentada em bens materiais hoje.

“O habitante dos Estados Unidos se apega aos bens deste mundo como se tivesse certeza de jamais morrer e se empenha com tanta precipitação em colher o que lhe passa pela frente que se poderia dizer que teme, a cada instante, que a vida se lhe escape antes de que tenha deles aproveitado”, acrescenta Tocqueville. “Ele colhe tudo, mas não conserva e logo deixa escapar das mãos o que conseguiu, para correr atrás de novas alegrias.”

A resposta que dava à sua própria pergunta é conhecida :

“O gosto pelas alegrias materiais deve ser considerado como a fonte primeira dessa inquietação secreta que se revela nas ações dos americanos e dessa incons­tância de que dão prova diariamente. Aquele que isolou seu coração na procura única dos bens deste mundo está sempre apressado, pois não tem senão tempo limitado para os encontrar, deles se apossar e deles gozar. A lembrança da bre­vidade da vida o aguilhoa sem cessar; independentemente dos bens que possui, imagina a cada instante mil outros que a morte o impedirá de provar, se ele não se apressar. Este pensamento o enche de preocupações, de temores e de arrepen­dimentos, e mantém sua alma numa espécie de trepidação incessante que o leva a mudar a todo momento de projetos e de lugar.”

Ater-se a esta formulação, no entanto, equivaleria a enganar-se quanto à na­tureza da explicação fornecida por Tocqueville: mesmo se ele enfatiza a busca desenfreada e sem limites do “bem-estar material”, esta é tudo, menos materia­lista – é tudo, menos marxista. Para os americanos, escreve em conclusão, “o ma­terialismo não existe, por assim dizer , embora a paixão pelo bem estar material seja generalizada.”

É esse paradoxo que eu queria esclarecer em minha conferência, pois de sua so­lução depende a possibilidade de uma crítica renovada e não materialista da eco­nomia política. Por trás dessa concorrência desencadeada entre todos os povos da Terra a que chamamos de crescimento econômico mundial, há uma corrida contra o relógio, uma corrida contra a morte e a finitude natural do ser. Essa busca do “mau infinito”, como dizia Hegel, é também uma busca espiritual, cujas engrenagens é preciso compreender.

É uma banalidade dizer que o tempo “se acelera”, que se transforma em um re­curso cada vez mais raro, quando justamente sempre se previu e esperou que o enorme crescimento da produtividade do trabalho fosse conduzir a uma socie­dade de tempo livre, de tempo liberado, dando livre curso ao lazer, ou mesmo à preguiça. Não é menor banalidade dizer que a crise do capitalismo está ligada à sua crescente incapacidade de se projetar no futuro. No centro do que chamamos “crise” há uma crise da relação com o tempo.

Vamos nos interessar por um exemplo específico, mas essencial para a compre­ensão da crise financeira: o tempo da especulação. O estouro de uma “bolha” fi­nanceira é tão certo quanto a morte, sua data apenas é desconhecida. O tempo de espera que precede essa catástrofe anunciada é emblemático da temporalidade própria ao capitalismo pós-industrial. Mistura inextricável de otimismo e de pessi­mismo, é justamente no momento em que se tem as melhores razões para acredi­tar que a catástrofe se afastou que ela vai se produzir. A surpresa é, por isso, ainda mais terrível. Tem-se certeza da surpresa: é a marca de nossa condição temporal. |

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